domingo, 3 de abril de 2011

Jujutsu III

Jújutsu: uma arte multidisciplinar



     
        Para muitos praticantes de artes marciais em todo o mundo, o jújutsu, assim como outras artes marciais semelhantes, é só um sistema de luta a curta distância, usado para livrar a si mesmo de um inimigo ou para controlar um oponente de mãos vazias; ou seja, lutar sem utilização de armas. Ou ainda “técnicas flexíveis” de mãos vazias. Como demonstrei ao longo da minha explicação, o jújutsu é a base de um jogo de técnicas de luta que emprega armas diferentes. Ele inclui várias técnicas de golpes e percussões, bloqueios, paradas, desvios, torções, estrangulamentos e imobilizações, além de quedas para ocasionar fraturas no oponente e até mesmo técnicas para neutralizar um ataque antes de ser completado.
        A essência do jújutsu, em sua realização e aplicação técnica, consiste em fazer as coisas de tal maneira que o inimigo não possa ver como nos movemos ou passamos de uma perna à outra, isto é, a transferência do peso do corpo, os deslocamentos, são invisíveis a olho nu. Esse método, conhecido como musoku no hô (無足之法), suri ashi (摺足), yoko aruki (横歩), ninsoku (忍足) etc., é a essência do uso de todas as armas e, obviamente, um dos segredos do mutô-dori ou shinken shiharadome (真剣白刃留).
        De acordo com outro ponto de vista, baseado na nomenclatura das técnicas japonesas clássicas ryúha, o jújutsu é composto de técnicas que usam armas curtas, chamadas de armas secundárias, como jutte, tantô, kakushi buki (arma escondida), kusari fundo (corrente lastrada), tetsuken (punho de aço) e bankoku choki (luva na forma de machado), contra adversários armados ou não.
        O termo jújutsu também é aplicado ao se referir às táticas ou movimento inerente no uso de armas principais, como ken ou tachi (espadas de comprimentos diferentes), yari, naginata, bô e Jô. Essas técnicas de luta eram preponderantes nas diferentes ryúha, que foram criadas para serem utilizadas no campo de batalha. Aqui novamente diferencio o kaichú bujutsu ou yoroi kumiuchi (batalha com armadura, com ou sem arma) dos períodos Kamakura, Muromachi e Sengoku da suhada bujutsu (técnicas de luta desenvolvidas para o uso diário com roupas comuns), surgida durante o período Edo.
        O período Edo, com a instituição de paz e da liberdade de ir e vir permitida pelas roupas, a proibição de duelos e de lutar até a morte, trouxe uma dimensão nova ao jújutsu, a exemplo de numerosas escolas, como Tenshin shinyô-ryu, Kitô-ryu, Yôshin-ryu e outras, que desenvolveram uma forma de jújutsu mais apropriada para a época e suas moralidades.


        Por outro lado, vários manuscritos oferecem duas perspectivas diferentes. A primeira teoria diz que o jújutsu é uma tecnica de luta criada na zona rural por guerreiros de baixa graduação. Guerreiros de alta graduação não ousariam usar as mãos pra lutar. A segunda explica que o jújutsu foi transmitido como uma tecnica secreta entre os guerreiros de alta graduação como habilidade de sobrevivência, ou para controlar e desarmar um adversário dentro de um castelo, ou então para não sujar a lâmina de suas espadas.

O jújutsu do período Edo
        O jújutsu é um conjunto de técnicas de luta extensível, inclusive, ao uso de armas diferentes para enfrentar situações de batalhas adversas. Esse método foi transmitido secretamente a uma única pessoa dentro de uma elite de guerreiros. Antes do período Edo (1603-1867), as escolas de jújutsu não eram muito numerosas, e os praticantes tampouco ocuparam posições de instrutor no feudo ou permaneceram livres de qualquer responsabilidade. A expansão do jújutsu era muito restrita, desconhecida do público geral.

        Porém, durante o período Edo, com a nova sociedade relativamente em paz, a criação de escolas novas, a disseminação do conhecimento e o ensino para classes sociais diferentes que não pertenceram à estirpe de guerreiro deram uma forma nova ao jújutsu.
        Durante esse período, embora a prática do jújutsu fosse amplamente expansiva, ele não teve o mesmo prestígio da espada, lança ou das habilidades de luta. Para vários guerreiros, o jújutsu era considerado uma ocupação dos indivíduos de baixa graduação, frequentemente os “guerreiros rurais”, e de membros da polícia, para a qual ele era útil no exercício de suas funções.
        Para os guerreiros de alta graduação, em uma briga pautada no uso de armas, a mais nobre de todas era a espada. A maioria da sociedade guerreira considerava a luta de mãos vazias uma forma vulgar de batalha.
        Contudo, o jújutsu não foi assim considerado por toda a classe guerreira. Muitos mestres de níveis altos tiveram um grande respeito por essa arte. Na verdade, certas escolas clássicas que permaneceram durante o período Edo, como Takeuchi-ryu (竹内流), Hokki-ryu (伯耆流) e Shoshô-ryu (諸賞流), eram muito respeitadas pela elite dos guerreiros.
        A Kitô-ryu (起倒流) foi fundada no começo do século XVII por Ibaragi Toshifusa. Nessa época, o xogun Tokugawa Iemitsu tinha muitos instrutores, dos quais o mais conhecido era Yagyu Munenori, da escola Shinkage-ryu, Ibaragi, que por sua vez era amigo de Munenori, atuava, assim, como um dos instrutores de Tokugawa. Ele ensinava ao xogun o jújutsu da escola Kitô-ryu.
        Yagyu Munenori e Ibaragi Toshifusa tinham como mentor um monge chamado Zen Takuan, e este último representou um papel preponderante na escolha do nome da escola Kitô, literalmente “ki” (起, “se levantar, produzir”), e “tô” (倒, “cair, destruir”).
        O período Edo foi o momento no qual o jújutsu clássico perdeu, lentamente, o seu lugar pra várias formas de luta em que a sobrevivência, adaptação para todas as situações e o uso de várias armas eram raras. A multiplicação das escolas de prática (dojô), a educação das massas em detrimento da transmissão secreta, amputou o jújutsu de sua essência técnica, baseada na limitação não-técnica e no uso de arma.
        Mas a transmissão do jújutsu clássico sempre existiu em paralelo a um número muito reduzido de discípulos, já que o propósito procurado pelos mestres dessas escolas não era quantidade, e sim qualidade.



* Texto extraído do livro A Arte do Ninja - Entre ilusão e realidade - Kacem Zoughari - Editora JBC

Jujutsu II


         A diferente terminologia
        A palavra jújutsu significa uso de flexibilidade, e não “técnica suave”. Daí que para usar a flexibilidade deve-se ter um corpo suave e maleável e saber como usá-lo, já que o emprego do corpo é a chave para todas as formas do jújutsu. Eis as várias denominações da arte de acordo com diferentes escolas que utilizam a técnica:
        Nas escolas Sekiguchi-ryu (関口流), Araki-ryu (荒木流) e Seigô-ryu (制剛流), as técnicas do jújutsu são chamadas de hade (), hakuda (白打), Jújutsu (柔術), kenpô (拳法) e torite (捕手).
        Na Takeuchi-ryu e Yagyu Shigan-ryu (柳生心眼流), recebem o nome de koppô (骨法), gôhô (強法), kogusoku (小具足), yawarajutsu (和術), koshi no mawari (腰之廻) e yoroi kumiuchi (鎧組打).
        Na Tenshin shôden Katori shintô-ryu (天真正伝香取神道流), Tatsumi-ryu (立身流) e Shoshô-ryu (諸賞流), são denominadas kumiuchi (組打), shubaku (手縛), tôde (唐手), torite (捕手 ou 取手, há duas grafias), wajutsu (和術), yawarajutsu (和術) e kowami (剛身).
        As denominações mudavam conforme a época, o local, a ligação religiosa e as sucessões de mestres. Cada uma delas tem relação com a breve diferença das características técnicas que usavam o corpo todo ou apenas parte dele.

         Golpes, percussões, desvios, absorção, uso do centro
        Entre todas essas escolas de jújutsu, há três correntes que usam diferentes técnicas de movimento do corpo. A primeira aplica as técnicas de golpes e percussões juntamente com técnicas de articulação, controle da circulação sanguínea e dos tendões, utilizando uma ampla variedade de kyúsho, pontos nervosos e vitais do corpo.
        A segunda usa poucos golpes e percussões, mas não os exclui.
        A terceira não lança mão desses artifícios. É necessário acrescentar que um dos últimos estágios dessa prática é ser capaz de não usar tais golpes e percussões, também chamados atemi. O propósito é adquirir o mais inteligente uso do corpo em sua totalidade (controle central da linha, seichúsen, deslocamento sutil, absorção e capacidade de esquivar-se em ângulos diferentes de saída).
        Tudo isso permite não empregar os atemi. As escolas que usam os termos hakuda, shubaku e kenpô frequentemente os utilizam. Isso revela que essas técnicas de batalha sofreram influência das diferentes técnicas de luta de mãos vazias vinda da China. Sem se limitar à influência chinesa, essas técnicas de percussões eram aplicadas quando os guerreiros vestiam armaduras, porque era essencial ser capaz de aplicas torções, arremessar um inimigo ou dominá-lo com outras técnicas. Isso mostra que não se tratava de percussões violentas, mas de uma arte de golpear que permite não se ferir com a armadura e acertar as partes sensíveis do corpo.
        Além disso, não se podem classificar todas as escolas de jújutsu em um sistema em que 50% das técnicas sejam de arremessos, torções e imobilizações, e 50% de golpes e percussões. A maioria dos densho, makimono e shuki revela que todos os tipos de jújutsu são fundamentalmente, a arte do eixo central que permite usar o corpo em sua totalidade, por meio de deslocamentos sutis que podem ser relacionados a armas diferentes. O emprego de golpes e percussões é desenvolvido em todas as escolas; alguns fazem um uso equilibrado, outros menos, e há ainda quem não se importe com o equilíbrio.
        Isso não significa que os golpes e percussões sejam ineficientes, mas revela que a utilização da elasticidade e do posicionamento do corpo, dos deslocamentos e desvios foi elevada ao nível mais alto de aplicação. A outra razão pela qual os atemi às vezes não são tão importantes é que grande parte das escolas que nasceram durante o período Edo favorecia o controle do atacante em detrimento de sua própria destruição.
        Realmente, durante esse período, em vez de matar o inimigo, era necessário controlá-lo a fim de fazer com que abandonasse a arma ou imobilizá-lo para tirá-la de suas mãos. Encontrei esse princípio de controle nos katas Kime no kata, Nikikata e Kiri oroshi da escola Tenshin shinyô-ryu, na qual também pude achar rastros do judô moderno.
      Porém, quando há golpes com os pés, como mawashigeri, yoko geri ou oi tsuki, gyaku tsuki, uraken, jôdan uke, etc., como podemos observar nas diferentes escolas de karatê, ou quando vemos os movimentos circulares inspirados no boxe e em outros estilos, dizemos com certeza que não se trata do jújutsu tradicional japonês. O karatê foi introduzido no Japão na década de 1920 por Gishin Funakoshi (1868-1957), vários anos depois do nascimento da maioria das escolas de jújutsu ou escolas que o utilizam.






* Texto extraído do livro A Arte do Ninja - Entre ilusão e realidade - Kacem Zoughari - Editora JBC

Jujutsu I

JÚJUTSU



        Jújutsu é um termo genérico usado desde o começo do período Edo (1603-1867). Incorretamente, ele descreve as técnicas de mãos vazias, as que utilizavam poucas armas e as que usam diferentes tipos de armamentos. A palavra é relativamente nova e refere-se mais a uma forma de movimentação do corpo do que a uma técnica de combate específica.

        A origem
        O jújutsu é inerente a todas as artes marciais que requerem flexibilidade, o que permite se livrar do inimigo, armado ou não, e ter domínio do próprio corpo (articulações, tendões, músculos, etc.). Pode, também, é claro, ser usado com armas. Assim, aquilo que será chamado de jújutsu e assumirá diversos nomes durante a história das artes marciais japonesas é uma atitude, um modo de ser, uma forma de movimento adaptável a todas as situações e armas e, mais propriamente, um tipo de técnica usada para aniquilar o inimigo com “flexibilidade”.

        O que é chamado de sôgo-bujutsu (総合武術 - “técnicas de combate compostas”) utiliza a arte do jújutsu como um eixo central para o emprego de diferentes armas. As técnicas de luta de mãos vazias no Japão têm origens remotas na história do país. Uma das primeiras referências a técnicas corporais ou combates desarmados encontra-se em duas obras importantes: “Kojiki” (古事記, “relatos de fatos antigos”, de 712) e “Nihon Shoki” (日本書紀, “Crônicas do Japão”, de 720), que relatam o mito de criação do Japão, assim como o estabelecimento da família imperial. Outras referências podem ser encontradas em várias crônicas nipônicas ou pinturas que retratam o sumai no sechi (相撲節), um ritual da Corte Imperial de Nara e Heian em que os lutadores podiam utilizar suas habilidades.


        De acordo com o densho de escolas de jújutsu, algumas das quais pioneiras, como a Shoshô-ryu (諸賞流) e a Takeuchi-ryu (竹内流), esses sistemas de luta de mãos vazias, combinados com o uso de várias armas, iniciou-se no período Muromachi. No entanto, deve-se enfatizar que o movimento corporal nas artes do kenjutsu e do sôjutsu, nos escritos sobre renomados mestres como Kamiizumi, da Shinkage-ryu, e Tsukahara Bokuden, da Shintô-ryu, tinha desenvolvido uma profunda e sutil arte de deslocamento e de manuseio de qualquer arma, como pode ser observado nas técnicas de mutô-dori (無刀捕).

* Texto extraído do livro A Arte do Ninja - Entre ilusão e realidade - Kacem Zoughari - Editora JBC