quarta-feira, 4 de abril de 2012

Jujutsu IV

Era Meiji: o jújutsu clássico esquecido



        Com a abolição das classes sociais (que resultou no desaparecimento da classe guerreira) e a proibição de carregar uma espada, conforme decretou o haitô-rei (廃刀令) em 1876, a prática das artes de luta, incluindo o jújutsu, que tinha servido o governo na manutenção da sociedade feudal, parecia ter perdido a razão de existir. Assim,  a maioria dos autores admite que grande parte dessas artes, incluindo, novamente, o jújutsu, foi esquecida durante o período Meiji (1868-1912). É necessário especificar que, embora a maioria das escolas ou estilos tenha sido esquecida pelo público, sua transmissão foi perpetuada em paralelo às transformações sociais, política e técnica que aconteceram durante aquela era.
        Mesmo que certas escolas de jújutsu ainda estivessem ativas durante esse período, nem os intelectuais, nem os burgueses demonstraram qualquer interesse pro elas. Depois da intensa procura por técnicas de luta durante as perturbações do fim do período Edo, o período Meiji foi, para muitos professores, sombrio. Tanto Fukuda Hachinosuke, mestre da Tenshin shinyo-ryu (天神真楊流), quanto Iikubo Tsunetoshi, mestre da Kitô-ryu (起倒流), haviam dado aulas no Kobusho (講武所), um centro de treinamento de artes de luta criado pelo bakufu de Tokugawa em 1855, em resposta à ameaça criada pela passagem de navios estrangeiros próximos às costas japonesas.


        Durante essa época, quando Jigorô Kanô se tornou discípulo dos dois, ambos eram mestres renomados, mas não puderam viver completamente de suas práticas de jújutsu. Fukuda teve um dojô de oito tatamis cheio de objetos diferentes, que também servia de sala de espera do local onde ele atendia como ortopedista, a exemplo do que faziam vários especialistas da época. Em troca, Iikubo trabalhava como mensageiro. Esses homens não tiveram vontade ou habilidade para adaptar-se à nova época. Assim, vários mestres de escolas clássicas morreram sem deixar um sucessor. Só para ter uma idéia, a Kitô-ryu e a Tenshin shinyo-ryu não têm mais representantes oficiais atualmente.
        Apesar do desprezo completo demonstrado pela maioria da sociedade japonesa durante o período Meiji, certos mestres artes marciais foram capazes de alcançar posições muito interessantes. Por exemplo, em 1928, em um artigo do “Tokyo nichinichi shinbun”(東京日日新聞), Kanô mencionou só o nome de Yamaoka Tesshú (1836-1888) como uma personalidade que possuía sério interesse pelas práticas durante o mesmo período, como ele. A referência aqui é prestigiosa: Yamaoka Tesshú, político, bom calígrafo e armeiro, que foi iniciado na arte de kenjutsu e diversos bujutsu clássicos no começo da mocidade, havia fundado a sua própria escola, Ittô shôden mutô-ryu (一刀正伝無刀流), muito influenciada pela prática zen. Ele trabalhou para o governo Meiji e tomou conta, inicialmente, da promoção de Shizuoka, onde atuou no desenvolvimento da produção de chá, até que foi nomeado tesoureiro do imperador.
        Foi nesse contexto social, em que todo o conhecimento e a cultura do guerreiro foi desconsiderada a vantagem de qualquer técnica ocidental e inovações industriais, que Jigorô Kanô (1860-1938) desenvolveu um modelo novo de ação recorrente à noção de “dô” (道) e elaborado a partir da cultura do guerreiro. Esse novo modelo combinou corretamente o conhecimento da Filosofia Ocidental ao modo de ação dos guerreiros. Surgia, assim, o judô (柔, “o caminho da suavidade”).






* Texto extraído do livro A Arte do Ninja - Entre ilusão e realidade - Kacem Zoughari - Editora JBC

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