terça-feira, 8 de março de 2011

Budô moderno


                Hoje, no Japão, o significado da palavra budô tem se tornado cada vez mais vago, ao mesmo tempo em que multiplicam as disciplinas que o constituem (por exemplo, iai-dô, battô-dô, jô-dô e tai-dô). Os seguidores do budô moderno se baseiam na afirmação das diferenças entre o “esporte de combate” e a educação física, categoria em que ele foi classificado pelo General Douglas MacArthur e pelo Comando Superior do Poder Aliado (SCAP), durante a ocupação dos Estados Unidos no arquipélago, que só autorizava a prática das atividades não consideradas “militaristas” ou “marciais”.
                De maneira interessante, existiram no Japão, como no resto do mundo, duas tendências que reinvidicam ter a autêntica tradição do budô. Uma insiste na austeridade, na violência e até mesmo nas atitudes sangrentas. O esforço, até mesmo o sofrimento físico, é evidente nessas práticas. De fato, eles frequentemente se orgulham da quantidade de dor e sofrimento que têm de suportar. A outra tendência exige uma aproximação espiritual e mística para o combate, superando a agressividade, e critica as escolas mais rigorosas, as quais classificam como primitivas e indignas da tradição do budô.
                Entre essas duas, há ainda as tendências que encaram o budô pelo ângulo da linhagem esportiva, incluindo as práticas que pregam o bem-estar e a saúde. Algumas dessas escolas ensinam apenas para a competição, tratando das demonstrações em torneio, preocupadas com o estilo e a imagem. Outras pesquisam a efetividade de seus estilos e desejam torná-los superiores, pregando o “espírito do budô” ou “ a vontade do espírito do samurai” combinada com regime físico perigoso, espartano, prometendo seguir as intenções do fundador do estilo – o que é difícil, já que muitas vezes não há registros.
                Num balanço final, qual é o benefício desses combates? A dor destrói o aluno, que, cheio de traumas e fraturas, vítima de um regime exageradamente severo, jamais conquistará esclarecimento espiritual. Ele sequer poderá praticar com eficiência, já que o seu corpo estará sempre danificado. Ninguém precisa fazer calos nas articulações dos dedos nos dias de hoje, mas ainda se encontram praticantes jovens destruídos pelas artrites e vivendo com danos físicos permanentes por causa de alguns autoproclamados “mestres das artes marciais modernas”, que pensam que quebrar camadas de gelo com uma das mãos ou partir bastões de beisebol com as tíbias os tornam fundadores de habilidades marciais.
              Existe a compulsão por medalhas e por se sentir prestigiado em uma infinidade de campeonatos e competições. Muitas escolas acreditam medir sua capacidade nas artes pelo número de troféus que ostentam. Esse enfoque, pouco a pouco, leva os alunos a acreditar que suas rotinas rápidas de “dança-kata” e “day-glo” nunchako os tornam “Power Rangers” da vida real, com um ego do tamanho do Monte Fujii.
                No centro de todas essas idas e vindas das artes marciais, há a exigência da prática humilde. Talvez ela tenha sido reduzida à busca da importância e do bem-estar individual, valores tão caros a nós, ocidentais.
                Um sábio uma vez disse: “... existem tantos caminhos (para a salvação) quanto peregrinos”. Cabe a cada um encontrar o que é mais apropriado, sem se esquecer de manter abertos “os olhos do coração” para evitar os desvios. Ainda mais se o caminho não é tão certo quanto possa parecer.





* texto extraído do livro A Arte do Ninja – Entre a ilusão e a realidade – Kacem Zoughari – Editora JBC

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